Naturalmente os arquétipos não representam uma única base da aparência das representações. Enquanto constituem uma qualidade do instinto, participam de sua natureza dinâmica e possuem por conseguinte uma energia específica que determina, às vezes de uma forma constrangedora, modos de comportamento, impulsões. Isso quer dizer que, em certas circunstâncias, os arquétipos tem uma força de possessividade e de obsessão (numinosidade). Concebê-los sob a forma de daimonia (poderes sobrenaturais) corresponde perfeitamente à sua natureza.
Se alguém por acaso acreditar que uma tal formulação possa alterar de algum modo a natureza das coisas, denotará que é excessiva sua crença no valor das palavras. Os dados reais não mudam quando aplicamos a eles outros nomes.
Só nós poderíamos, casualmente, ser afetados. Se alguém concebesse "Deus" como um "puro nada" de nada atingiria o princípio que nos ultrapassa. Continuaríamos tão possuídos por ele quanto antes. Não amputamos absolutamente a realidade mudando-lhe o nome; no máximo poderemos tomar uma falsa atitude em relação a ela, se o nome novo implicar numa negação; inversamente, a denominação positiva de uma coisa incognoscível poderá colocar- nos diante dela numa atitude positiva. É por isso que quando aplicamos a "Deus" a denominação
de "arquétipo" nada exprimimos sobre sua natureza própria. Mas reconhecemos, assim, que "Deus" está inscrito nessa parte de nossa alma pré-existente á nossa consciência e que, portanto, Ele não pode ser uma invenção desta última. Desta forma, Deus não é nem afastado nem aniquilado, mas pelo contrário é posto na proximidade daquilo que se pode experimentar. Esta circunstância não deixa de ser essencial: é comum a suspeita de que uma coisa não experimentável não existe. Tal suspeita leva alguns pretensos crentes ( que não se dão ao trabalho de examinar mais a fundo a questão) a nomear de ateísmo ou então de gnosticismo a minha tentativa de reconstituir a alma primitiva inconsciente; de qualquer modo não reconhecem qualquer realidade psíquica como a do inconsciente. Se este significa alguma coisa, deve compor-se das fases percorridas antes do desenvolvimento histórico de nossa psique consciente.
Quase todos concordam que a hipótese do homem ter sido criado em toda a sua glória no sexto dia da criação, sem degrau anterior, é muito simplista e arcaica para nos satisfazer. Mas em relação a psique, as concepções arcaicas continuam em vigor: a psique não teria antecedentes arquétípicos; seria uma tábula rasa, uma criação inteiramente nova, que tem origem na ocasião do nascimento. Em suma, seria apenas o que ela mesma imagina ser.
A consciência é filogenética e ontogeneticamente secundaria. O corpo tem uma pré-história anatômica de milhões de anos, o mesmo acontece com o sistema psíquico. O corpo humano atual representa em cada uma de suas partes, o resultado desse desenvolvimento, transparecendo as etapas prévias de seu presente, o mesmo acontece com a psique. A consciência começou segundo a perspectiva de seu desenvolvimento histórico, no estado quase animal de inconsciência, que a criança repete em sua diferenciação. A psique da Criança em estado pré consciente é nada menos que tábula ras; pode-se reconhecer, sob todos os pontos de vista, que é pré-formada individualmente e equipada com todos os instintos especificamente humanos, inclusive com os fundamentos da priori das funções superiores.
É sobre esta base complexa que o eu se forma e é ela que o conduzirá ao longo da vida. Quando tal base não preenche seu papel de apoio, o Eu se detém e morre. A existência e a realidade dessa base são de importância vital. Comparado a ela, o mundo exterior tem uma significação secundária, pois afinal o que significará esse mundo exterior se me faltar o impulso endógeno que, normalmente, me incita a apoderar me dele? Jamais uma vontade consciente substituirá o instinto de vida. Esse instinto surge em nosso íntimo como uma obrigação, uma vontade, uma ordem e quando o chamamos de daimon pessoal, como sempre aconteceu e acontece, pelo menos exprimimos de forma pertinente a situação psicológica. E mesmo quando tentamos circunscrever mais precisamente mediante o conceito de arquétipo. o ponto em que o daimon nos agarra, nada eliminamos e nada podemos fazer para nos aproximar da Fonte da Vida.
É muito natural, pois, que na qualidade de psiquiatra (que significa médico da Alma) eu me incline para tal concepção, pois o que me interessa em primeiro lugar é saber como ajudar meus doentes a encontrar sua base e sua saúde. Através da experiência percebi a soma de conhecimentos que tal tarefa implica! Mas o mesmo ocorreu com a medicina em geral. Ela não progrediu descobrindo a cura mediante truques que teriam simplificado enormemente seus métodos. Pelo contrário, enveredou a perder de vista por complicações em grande parte devidas a empréstimos feitos a todas as ciências possíveis. Quanto a mim, não pretendo interferir de forma alguma e outras matérias; procuro simplesmente utilizar meus conhecimentos em meu domínio. Naturalmente, tenho o dever de justificar essas utilizações e suas consequências. Pois descobertas são feitas quando se transferem conhecimento de um domínio para outro afim de empregá-los de maneira prática.
Quantos achados não teriam ocorrido se os raios X deixassem de ser utilizados em medicina por ser uma descoberta da física! Quanto ao fato de que, em certos casos possa haver perigo na terapia pelos raios X, isso interessa ao médico, mas não necessariamente ao físico que serve desses raios de outra maneira e para outros fins. O físico não pensará que o médico pretende iludi-lo ao chamar-lhe a atenção para certas propriedades nocivas ou salutares da radioscopia Quando uso por exemplo conhecimentos históricos ou teológicos no domínio da psicoterapia, eles aparecem naturalmente sob uma nova luz e levam a outras conclusões que não aqueles limitados domínios de sua especialidade, onde servem para outros fins.
O fato de que uma polaridade está a base do dinamismo psíquico implica que a problemática dos opostos no sentido mais amplo, penetra no campo de discussão psicológica com todos os seus aspectos religiosos e filosóficos. Estes, então, perdem o caráter independente que possuem em seu domínio especializado e isto, necessariamente, porque são reprimidos, interrogados, sob um ângulo psicológico; não são mais considerados sob o ângulo da verdade filosófica ou religiosa, mas examinados no sentido de apurar o que comportam de significação e de fundamentos psicológicos
Livres da pretensão de constituíem verdades idependentes,o fato de serem consideradas empiricamente,isto é, segundo a perspectiva da ciência de observação, faz com que tais verdades sejam sobretudo e antes de mais nada, fenômenos psíquicos. Este fato me parece indiscutível. Essas verdades pretendem ser fundadas em si mesmas e por elas mesmas; mas o modo psicológico de considerar as coisas perturba essa pretensão: isso não exclui simplesmente é possibilidade de que tal exigência seja vista ilegítima mas lhe consagra uma atenção toda particular. A psicologia ignora julgamentos tais como: "Isso é apenas religioso" "Isso é apenas filosófico" ao contrário da censura que a ela se dirige e frequentemente, em particular por parte do mundo teológico "Isso é apenas psíquico".
Todas as expressões possíveis e imagináveis, quaisquer que sejam, são produtos da psique, entre outras coisas, a psique aparece como um processo dinâmico que repousa sobre antíteses e sobre o caráter antiético de seus conteúdos, podendo ser representada como uma tensão entre dois polos. Como os princípios explicativos não devem ser multiplicados além do necessário, e a perspectiva energética foi satisfatória enquanto o princípio explicativo das ciências físicas, podemos limitar-nos a ela também, no que diz respeito à psicologia.
Não há qualquer dado seguro que demonstre que outra concepção seja mais adaptada; além disso, o caráter antiético, a polaridade da psique e de seus conteúdos se revelaram como um dos resultados essenciais da experiência psicológica.
Se a concepção energética da psique é correta, todas as constatações que procuram ultrapassaram as fronteiras da polaridade psíquica, como por exemplo, as afirmações a respeito de uma realidade metafísica, serão paradoxais se pretenderem reinvidicar qualquer validade. A psique não pode ir além de si mesma, isto é, não pode estabelecer o estatuto de qualquer Verdade Absoluta, pois, a polaridade que lhe é inerente, condiciona a relatividade de suas afirmações. Sempre que a psique proclama verdades absolutas, como por exemplo, "a essência eterna é o movimento", ou " a essência eterna é o Uno" - ela cai, nolen volens, num ou noutro, dos polos opostos. Pode poder-se-ia também afirmar: "a essência eterna é a imobilidade" ou "a essência eterna é o Todo". Caindo na unilateralidade a psique se desintegra e perde a faculdade de discernimento. Degenera numa sucessão de estados psíquicos irrefletidos ( porquanto se mostram refratários a reflexão) cada um deles acreditando-se fundado em si mesmo porque não vê ou não pode ainda ver outros estados.
Isso não exprime, naturalmente, qualquer julgamento de valor, mas formula o fato de que, muitas vezes ou mesmo inevitavelmente, se ultrapassa a fronteira, pois "tudo é transição". A tese é seguida pela antítese e entre as duas, nascem um terceiro termo, uma lysis, uma solução que não era perceptível anteriormente. Através desse processo, a psique mais uma vez, manifesta sua natureza antiética sem sair realmente de seus próprios limites.
Mediantee o esforço te mostrar as limitações da psique, não quero de forma alguma sugerir que existe somente a psique. Mas quando e na medida em que se trata de percepção e de conhecimento, não temos meios de ver além da psique. A ciência está implicitamente convencida de que existe um objeto não psíquico transcendente. Mas sabe também. como é difícil reconhecer a natureza real do objeto, particularmente quando o órgão das percepções é deficiente ou inexistente, ou quando as formas de pensamento que lhe seriam adaptadas, não existem, ou ainda estão por serem criadas. No caso em que, nem nossos órgãos sensoriais, nem seus aparelhos auxiliares artificiais nos garantem a existência de um objeto real, as dificuldades aumentam em proporções gigantescas, de maneira que se é simplesmente tentado a negar tal objeto.
Nunca cheguei a uma conclusão precipitada desse tipo porque nunca acreditei que nossas percepções pudessem aprender todas as fórmulas de existência. Por isso estabeleci o postulado de que o fenômeno das configurações arquetípicas - acontecimentos psíquicos por excelência -repousa sobre a existência de uma base psicóide, isto é, condicionalmente psíquica mas ligado a outras formas de ser. Por falta de elementos empíricos, não conheço as formas de existência que são corretamente designadas pelo termo espiritua. Sob o ponto de vista da ciência, não é importante o que eu possa crer a esse respeito. Devo reconhecer minha ignorância. Mas na medida em que os arquétipos se revelam eficazes são para mim efetivos. Se bem que eu não saiba em que consistem realmente.
Trecho do livro: Memórias, Sonhos, Reflexões de C.G.Jung
Se alguém por acaso acreditar que uma tal formulação possa alterar de algum modo a natureza das coisas, denotará que é excessiva sua crença no valor das palavras. Os dados reais não mudam quando aplicamos a eles outros nomes.
Só nós poderíamos, casualmente, ser afetados. Se alguém concebesse "Deus" como um "puro nada" de nada atingiria o princípio que nos ultrapassa. Continuaríamos tão possuídos por ele quanto antes. Não amputamos absolutamente a realidade mudando-lhe o nome; no máximo poderemos tomar uma falsa atitude em relação a ela, se o nome novo implicar numa negação; inversamente, a denominação positiva de uma coisa incognoscível poderá colocar- nos diante dela numa atitude positiva. É por isso que quando aplicamos a "Deus" a denominação
de "arquétipo" nada exprimimos sobre sua natureza própria. Mas reconhecemos, assim, que "Deus" está inscrito nessa parte de nossa alma pré-existente á nossa consciência e que, portanto, Ele não pode ser uma invenção desta última. Desta forma, Deus não é nem afastado nem aniquilado, mas pelo contrário é posto na proximidade daquilo que se pode experimentar. Esta circunstância não deixa de ser essencial: é comum a suspeita de que uma coisa não experimentável não existe. Tal suspeita leva alguns pretensos crentes ( que não se dão ao trabalho de examinar mais a fundo a questão) a nomear de ateísmo ou então de gnosticismo a minha tentativa de reconstituir a alma primitiva inconsciente; de qualquer modo não reconhecem qualquer realidade psíquica como a do inconsciente. Se este significa alguma coisa, deve compor-se das fases percorridas antes do desenvolvimento histórico de nossa psique consciente.
Quase todos concordam que a hipótese do homem ter sido criado em toda a sua glória no sexto dia da criação, sem degrau anterior, é muito simplista e arcaica para nos satisfazer. Mas em relação a psique, as concepções arcaicas continuam em vigor: a psique não teria antecedentes arquétípicos; seria uma tábula rasa, uma criação inteiramente nova, que tem origem na ocasião do nascimento. Em suma, seria apenas o que ela mesma imagina ser.
A consciência é filogenética e ontogeneticamente secundaria. O corpo tem uma pré-história anatômica de milhões de anos, o mesmo acontece com o sistema psíquico. O corpo humano atual representa em cada uma de suas partes, o resultado desse desenvolvimento, transparecendo as etapas prévias de seu presente, o mesmo acontece com a psique. A consciência começou segundo a perspectiva de seu desenvolvimento histórico, no estado quase animal de inconsciência, que a criança repete em sua diferenciação. A psique da Criança em estado pré consciente é nada menos que tábula ras; pode-se reconhecer, sob todos os pontos de vista, que é pré-formada individualmente e equipada com todos os instintos especificamente humanos, inclusive com os fundamentos da priori das funções superiores.
É sobre esta base complexa que o eu se forma e é ela que o conduzirá ao longo da vida. Quando tal base não preenche seu papel de apoio, o Eu se detém e morre. A existência e a realidade dessa base são de importância vital. Comparado a ela, o mundo exterior tem uma significação secundária, pois afinal o que significará esse mundo exterior se me faltar o impulso endógeno que, normalmente, me incita a apoderar me dele? Jamais uma vontade consciente substituirá o instinto de vida. Esse instinto surge em nosso íntimo como uma obrigação, uma vontade, uma ordem e quando o chamamos de daimon pessoal, como sempre aconteceu e acontece, pelo menos exprimimos de forma pertinente a situação psicológica. E mesmo quando tentamos circunscrever mais precisamente mediante o conceito de arquétipo. o ponto em que o daimon nos agarra, nada eliminamos e nada podemos fazer para nos aproximar da Fonte da Vida.
É muito natural, pois, que na qualidade de psiquiatra (que significa médico da Alma) eu me incline para tal concepção, pois o que me interessa em primeiro lugar é saber como ajudar meus doentes a encontrar sua base e sua saúde. Através da experiência percebi a soma de conhecimentos que tal tarefa implica! Mas o mesmo ocorreu com a medicina em geral. Ela não progrediu descobrindo a cura mediante truques que teriam simplificado enormemente seus métodos. Pelo contrário, enveredou a perder de vista por complicações em grande parte devidas a empréstimos feitos a todas as ciências possíveis. Quanto a mim, não pretendo interferir de forma alguma e outras matérias; procuro simplesmente utilizar meus conhecimentos em meu domínio. Naturalmente, tenho o dever de justificar essas utilizações e suas consequências. Pois descobertas são feitas quando se transferem conhecimento de um domínio para outro afim de empregá-los de maneira prática.
Quantos achados não teriam ocorrido se os raios X deixassem de ser utilizados em medicina por ser uma descoberta da física! Quanto ao fato de que, em certos casos possa haver perigo na terapia pelos raios X, isso interessa ao médico, mas não necessariamente ao físico que serve desses raios de outra maneira e para outros fins. O físico não pensará que o médico pretende iludi-lo ao chamar-lhe a atenção para certas propriedades nocivas ou salutares da radioscopia Quando uso por exemplo conhecimentos históricos ou teológicos no domínio da psicoterapia, eles aparecem naturalmente sob uma nova luz e levam a outras conclusões que não aqueles limitados domínios de sua especialidade, onde servem para outros fins.
O fato de que uma polaridade está a base do dinamismo psíquico implica que a problemática dos opostos no sentido mais amplo, penetra no campo de discussão psicológica com todos os seus aspectos religiosos e filosóficos. Estes, então, perdem o caráter independente que possuem em seu domínio especializado e isto, necessariamente, porque são reprimidos, interrogados, sob um ângulo psicológico; não são mais considerados sob o ângulo da verdade filosófica ou religiosa, mas examinados no sentido de apurar o que comportam de significação e de fundamentos psicológicos
Livres da pretensão de constituíem verdades idependentes,o fato de serem consideradas empiricamente,isto é, segundo a perspectiva da ciência de observação, faz com que tais verdades sejam sobretudo e antes de mais nada, fenômenos psíquicos. Este fato me parece indiscutível. Essas verdades pretendem ser fundadas em si mesmas e por elas mesmas; mas o modo psicológico de considerar as coisas perturba essa pretensão: isso não exclui simplesmente é possibilidade de que tal exigência seja vista ilegítima mas lhe consagra uma atenção toda particular. A psicologia ignora julgamentos tais como: "Isso é apenas religioso" "Isso é apenas filosófico" ao contrário da censura que a ela se dirige e frequentemente, em particular por parte do mundo teológico "Isso é apenas psíquico".
Todas as expressões possíveis e imagináveis, quaisquer que sejam, são produtos da psique, entre outras coisas, a psique aparece como um processo dinâmico que repousa sobre antíteses e sobre o caráter antiético de seus conteúdos, podendo ser representada como uma tensão entre dois polos. Como os princípios explicativos não devem ser multiplicados além do necessário, e a perspectiva energética foi satisfatória enquanto o princípio explicativo das ciências físicas, podemos limitar-nos a ela também, no que diz respeito à psicologia.
Não há qualquer dado seguro que demonstre que outra concepção seja mais adaptada; além disso, o caráter antiético, a polaridade da psique e de seus conteúdos se revelaram como um dos resultados essenciais da experiência psicológica.
Se a concepção energética da psique é correta, todas as constatações que procuram ultrapassaram as fronteiras da polaridade psíquica, como por exemplo, as afirmações a respeito de uma realidade metafísica, serão paradoxais se pretenderem reinvidicar qualquer validade. A psique não pode ir além de si mesma, isto é, não pode estabelecer o estatuto de qualquer Verdade Absoluta, pois, a polaridade que lhe é inerente, condiciona a relatividade de suas afirmações. Sempre que a psique proclama verdades absolutas, como por exemplo, "a essência eterna é o movimento", ou " a essência eterna é o Uno" - ela cai, nolen volens, num ou noutro, dos polos opostos. Pode poder-se-ia também afirmar: "a essência eterna é a imobilidade" ou "a essência eterna é o Todo". Caindo na unilateralidade a psique se desintegra e perde a faculdade de discernimento. Degenera numa sucessão de estados psíquicos irrefletidos ( porquanto se mostram refratários a reflexão) cada um deles acreditando-se fundado em si mesmo porque não vê ou não pode ainda ver outros estados.
Isso não exprime, naturalmente, qualquer julgamento de valor, mas formula o fato de que, muitas vezes ou mesmo inevitavelmente, se ultrapassa a fronteira, pois "tudo é transição". A tese é seguida pela antítese e entre as duas, nascem um terceiro termo, uma lysis, uma solução que não era perceptível anteriormente. Através desse processo, a psique mais uma vez, manifesta sua natureza antiética sem sair realmente de seus próprios limites.
Mediantee o esforço te mostrar as limitações da psique, não quero de forma alguma sugerir que existe somente a psique. Mas quando e na medida em que se trata de percepção e de conhecimento, não temos meios de ver além da psique. A ciência está implicitamente convencida de que existe um objeto não psíquico transcendente. Mas sabe também. como é difícil reconhecer a natureza real do objeto, particularmente quando o órgão das percepções é deficiente ou inexistente, ou quando as formas de pensamento que lhe seriam adaptadas, não existem, ou ainda estão por serem criadas. No caso em que, nem nossos órgãos sensoriais, nem seus aparelhos auxiliares artificiais nos garantem a existência de um objeto real, as dificuldades aumentam em proporções gigantescas, de maneira que se é simplesmente tentado a negar tal objeto.
Nunca cheguei a uma conclusão precipitada desse tipo porque nunca acreditei que nossas percepções pudessem aprender todas as fórmulas de existência. Por isso estabeleci o postulado de que o fenômeno das configurações arquetípicas - acontecimentos psíquicos por excelência -repousa sobre a existência de uma base psicóide, isto é, condicionalmente psíquica mas ligado a outras formas de ser. Por falta de elementos empíricos, não conheço as formas de existência que são corretamente designadas pelo termo espiritua. Sob o ponto de vista da ciência, não é importante o que eu possa crer a esse respeito. Devo reconhecer minha ignorância. Mas na medida em que os arquétipos se revelam eficazes são para mim efetivos. Se bem que eu não saiba em que consistem realmente.
Trecho do livro: Memórias, Sonhos, Reflexões de C.G.Jung
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